Cada vez mais a gravação de áudio é utilizada como prova judicial para a identificação de pessoas ou de contexto de conversas, seja em processos cíveis ou criminais. Mas é necessário entender quando uma gravação de áudio serve como prova.
A gravação de áudio serve como prova quando atender alguns preceitos básicos da perícia de áudio. Só assim pode ser usada para fins judiciais, como a identificação de pessoa pela voz ou dentro de um contexto de comunicação entre pessoas.
Gravação de áudio como prova: o que avaliar?
O primeiro ponto a verificar em uma gravação de áudio é sua integridade.
Tal verificação é realizada por perito técnico especializado capaz de determinar:
- a Qualidade Acústica e Classificação do Áudio: avaliando se há muitos ruídos ou pertubações na gravação. MUITO IMPORTANTE. Trata-se do tempo de voz, retirando-se pausas, ruídos e outros eventos sonoros. A identificação da pessoa pela voz é realizado por métodos que exigem o maior número de palavras faladas para extração de características do locutor;
- a originalidade da gravação ou análise da cadeia de custódia: não se aceita em juízo áudios que sejam regravações, recortes, edições ou qualquer tipo de modificações que possam trazer prejuízos a prova. Falamos mais sobre isso aqui.
- a extração de meta-informações ou análise dos metadados: capazes de descrever como foi produzido aquele áudio, se foi retirado de um algum aparelho, em qual data e em quais circunstâncias;
- análise de espectograma: capazes de determinar se trata-se de voz masculina, feminina, qual o tipo de equipamento gravador e possíveis restaurações, caso necessário, que deverão constar no laudo ou parecer técnico.
Na sequência iremos falar sobre cada um destes itens, só que de uma maneira diferente, olhando mais para o trabalho a ser realizado por nós peritos em áudio.
Gravação de áudio como prova: breve resumo do perito em áudio
Alguns pontos de observação que devem ser observados quando temos uma prova em áudio:
a) Tempo de fala líquida do áudio;
b) Qualidade da gravação, se há ruídos ou até mesmo a falta deles;
c) Qual a fonte gravadora ou aparelho gravador ou aplicativo gravador?
c) Se há possibilidade de realizar a coleta de contraprova no mesmo aparelho gravador ou aplicativo gravador?
d) Se a gravação é contemporânea com os fatos narrados? Há a possibilidade de avaliar as datas de gravação e modificação?
Se estes cuidados não forem tomados, o que te espera, caso não tenha seguido os ensinamentos aqui propostos, é aceitar em juízo “gato por lebre”.
Gravação de áudio como prova e a cadeia de custódia
A cadeia de custódia é um procedimento que visa garantir a integridade de um item de prova para que possa ser usado como evidência em um tribunal.
Esta cadeia é usada para rastrear o movimento da evidência desde o momento em que é coletada até o momento em que é apresentada no tribunal.
Cada vez que a evidência é transferida de um indivíduo para outro, o receptor deve assinar um documento para certificar que a evidência foi recebida em boas condições. O objetivo desta cadeia é evitar que a evidência seja alterada ou adulterada.
A primeira coisa que deve ser observada em perícia em gravação de áudio é se a cadeia de custódia foi preservada. Caso isso não tenha ocorrido, pode ser afirmar sem qualquer dúvida que a prova não pode ser considerada autêntica.
Devemos nos lembrar que provas no formato digital são facilmente manipuláveis e voláteis. Por isso, além de avaliar a cadeia de custódia, outras análises foram realizadas.
Gravação de áudio como prova e análise do espectrograma
No caso que estamos analisando aqui, o processo administrativo era claro em determinar que os autores da ação não tinham preservado a cadeia de custódia, e o motivo a gente já vai ver.
Mesmo não mantendo a referida cadeia de custódia, cabe ao perito forense analisar o áudio utilizando todas as ferramentas disponíveis tais como espectrogramas, software de análise de áudio e gravadores de áudio para realizar sua avaliação técnica.
Mas o que é espectrograma?
“O espectrograma pode ser definido como um gráfico que mostra a intensidade por meio do escurecimento ou coloração do traçado, as faixas de frequência no eixo vertical e o tempo no eixo horizontal. Sua representação mostra estrias horizontais, denominadas harmônicos.”
Neste caso de exemplo, vamos ver como ficou o espectrograma:
Existe duas cores de setas, as vermelhas e uma azul. Essas setas foram inseridas sob o espectograma pelo perito forense para ilustrar sua análise pericial.
Numa gravação telefônica, conforme argumenta a acusação do processo administrativo, sempre existirá ruídos de fundo. Mesmo que seja numa sala com bom isolamento acústico, existirá o que tecnicamente chamamos de ruído DC offset.
O que é ruído DC offset?
DC offset, de maneira simples, pode ser entendido como um deslocamento de Corrente Direta (corrente contínua). As fontes desses ruídos são as baterias que fornecem energia para os componentes eletrônicos do computador, placa de som, etc.
A seta em azul aponta o tal ruído DC offset, que é o ruído padrão de uma gravação telefônica. Entretanto, nas setas em vermelho, há um silêncio ensurdecedor. Uma espécie de buraco.
Esses “buracos” evidenciados por setas em vermelho são literalmente a evidência de um recorte, um copia e cola na gravação, demonstrando claramente que o áudio não tem características de gravação telefônica.
Portanto, há fortes evidências de um “copia e cola” de áudios, formando a prova acostada nos autos..
Entretanto, há a necessidade de uma maior análise por parte do perito forense, o que detalharemos a seguir.
Gravação de áudio e análise dos metadados ou meta-informações
O perito forense em áudios, a despeito de tudo que já ficou bem claro em suas análises, deve sempre analisar a prova no formato digital com todo o zelo profissional.
Pela análise do espectograma, ficou bem claro que o áudio não é característico de uma gravação telefônica.
Entretanto, há a necessidade de analisa-lo por outros métodos analíticos, capazes de comprovar a admissibilidade da prova.
Uma das técnicas periciais é a análise de metadados.
O que são metadados?
Os metadados são um conjunto de dados que descrevem e contextualizam outros dados, também conhecidos como dados sobre dados.
Eles podem incluir informações como títulos, palavras-chave, autores, data de criação, localização, tamanho, software gerador, etc.
Estudando os metadados do aquivo de áudio, temos:
Complete name : Audio processo.mp3
Format : MPEG Audio
File size : 646 KiB
Duration : 1 min 19 s
Overall bit rate mode : Variable
Overall bit rate : 66.8 kb/s
Writing library : LAME3.100
Software : Lavf58.29.100
Audio
Format : MPEG Audio
Format version : Version 1
Format profile : Layer 3
Format settings : Joint stereo / MS Stereo
Duration : 1 min 19 s
Bit rate mode : Variable
Bit rate : 66.8 kb/s
Minimum bit rate : 32.0 kb/s
Channel(s) : 2 channels
Sampling rate : 44.1 kHz
Frame rate : 38.281 FPS (1152 SPF)
Compression mode : Lossy
Stream size : 645 KiB (100%)
Writing library : LAME3.100
Encoding settings : -m j -V 2 -q 0 -lowpass 18.5 –vbr-new -b 32
Quando analisamos os metadados, ficou claro que o áudio foi gerado por um software conhecido como LAME, através da biblioteca FMPEG.
Ao estudar o referido software LAME, o perito forense verificou que o campo “enconding settings” indica a linha de comando que gerou o arquivo.
Veja que neste caso, o áudio feriu três características das provas digitais:
- Falta de cadeia de custódia;
- Falta de integridade da prova (prova adulterada);
- Falta de autenticidade da prova (prova inadmissível).
Gravação de áudio como prova e a audição crítica
A audição crítica visa classificar o áudio quanto sua qualidade, de maneira a considerá-la apta ou não como prova em processo judicial. Temos os seguintes pontos de classificação:
- Qualidade muito alta. A gravação possui quase todos os trechos de interesse com qualidade apropriada para todo o tipo de análise fonética, sem sobreposição de voz. Não há ruídos de fundos;
- Qualidade alta. A gravação possui a maior parte dos trechos de interesse com qualidade apropriada para quase todo o tipo de análise fonética, poucas sobreposição de voz. Poucos ruídos de fundos;
- Qualidade média. A gravação possui poucos todos os trechos de interesse com qualidade apropriada para todo o tipo de análise fonética, não há excesso de sobreposição de voz e de ruídos de fundos;
- Qualidade baixa. A gravação não possui quase nenhum trecho de interesse com qualidade apropriada para todo o tipo de análise fonética, pode haver excesso de sobreposição de voz e de ruídos de fundos;
- Qualidade muito baixa. A gravação não possui quase nenhum trecho de interesse com qualidade apropriada para todo o tipo de análise fonética, pode haver excesso de sobreposição de voz e de ruídos de fundos. ALGUMAS PARTES DA GRAVAÇÃO PODEM NÃO SER CLARAS PARA A ESCUTA.
O que devo fazer para avaliar uma gravação de áudio como prova?
Caso tudo que tenhamos falado aqui esteja um pouco confuso na sua cabeça, não deixe de nos procurar pelo whatsapp. Somos especialistas em perícia de áudio e estamos aqui pra te ajudar!
Bom vamos ficando por aqui, a partir de agora vamos escrever uma série de outros artigos que demonstrarão vários métodos, um para cada tipo de formato de arquivo, sempre avaliando se as provas digitais são íntegras e autênticas, e também capazes de determinar a autoria e a veracidade dos fatos alegados.
Até o próximo post,
Eduardo Henrique Alves Amorim, Perito Digital.